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Sexta, 15 Maio 2015 16:54

Política da irresponsabilidade

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Matéria publicada no Estadão – 14/05/2015

A Câmara dos Deputados mostrou mais uma vez sua pouca disposição de cumprir o papel de foro privilegiado de discurssão e decisão de políticas de interesse nacional, contentando-se em ser apenas um foro de barganha.  Ao votar a conversão em lei da MP 664/14 – que faz parte do pacote de ajuste fiscal proposto pelo governo federal-, o plenário da Câmara aprovou, sem a necessária discussão, uma emenda que muda o cálculo da aposentadoria e, por isso, tem forte impacto no sistema previdenciário. Mostrou, assim, que, para impor mais uma derrota ao governo Dilma Rousseff, vale tudo – até ser irresponsável.

A emenda aprovada crua uma alternativa ao fator previdenciário, forma criada durante o governo Fernando Henrique Cardozo para compatibilizar a contribuição do segurado e o valor do benefício, com base em quatro elementos: alíquota de contribuição, idade do trabalhador, tempo de contribuição à Previdência Social e expectativa de sobrevida do segurado.  O texto agora aprovado na Câmara dos Deputados permite que uma pessoa receba o valor integral da aposentadoria com base apenas na idade e no tempo de contribuição. Uma mulher poderpa aposentar quando a soma de sua idade aos 30 anos de contribuição for de 85 e, no cado se um homem, quando a soma da idade a 35 anos de contribuição alcançar 95. É a chamada regra 85/95. No caso dos professores, seriam exigidos dez anos a menos, tanto para a mulher quanto para o homem (75/85).

Por seu impacto nas contas públicas, alterações na fórmula de cálculo do valor da aposentadoria exigem cuidadosa análise e amplo debate, especialmente em razão do aumento da expectativa de vida da população. Facilitar a aposentadoria pode ser uma boa promessa eleitoral, mas requer prudência. No entanto, a Câmara dos Deputados escolheu o caminho oposto. Tendo de decidir sobre as medidas de ajuste fiscal contidas na MP 664, a Câmara aproveitou para incluir nela um apêndice de alto impacto nas contas públicas apenas para retaliar o governo e fazer alguma demagogia.

A manobra contou com o apoio não apenas do PDT, PC do B, PSB e parte do PMDB. Todos os deputados do PSDB foram favoráveis a emenda, bem como quase totalidade dos representantes do DEM. Tais deputados sabem bem – ou deveriam saber – quanto empenho político custou a aprovação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, da introdução do fator previdenciário, como meio de instalar um pouco de racionalidade na fórmula de cáculo das aposentadorias. Agora, como simples meio de atacar o governo de Dilma Rousseff, votaram a favor da emenda que dribla o fator previdenciário. Definitivamente, não precisavam disso em seus currículos.

Não há dúvida de que política é embate – e exige realismo. No entanto, esse aspecto de confronto, existente na política, não transforma nem deve transformar o Congresso num ringue. O decisivo não é quem ganha ou quem perde. O que realmente importa é defesa por parte de cada parlamentar das posições que considera mais beneficiárias ao País. Só assim o Congresso poderá exercer o seu papel institucional – representar pluralidade da sociedade brasileira.

Com independência das cores ideológicas, não há quem possa afirmar ser bom para o País alterar as regras do sistema previdenciário sem um aprofundado debate. O tema requer muito estudo e muita ponderação – afinal, está se tratando do dinheiro das contribuições previdenciárias de cada trabalhador e de seus benefícios futuros.

Não poucas vezes, criticou-se no Brasil o que parecia ser um desiquilíbrio entre os Três Poderes, com o Executivo ditando a pauta e as posições do Legislativo. No momento atual, em que o governo federal – por suas próprias mazelas – se enfraqueceu, surgiu uma oportunidade única para o Legislativo assumir o papel que lhe cabe, enfrentando com valentia as grandes questões públicas que desafiam a sociedade brasileira. No entanto, a Câmara dos Deputados aproveita essa chance para, sem qualquer pudor, optar pela política da irresponsabilidade. É assim que espera alcançar o respeito da população.

Fonte: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,politica-da-irresponsabilidade,1687819,politica-da-irresponsabilidade,1687819

Lido 2404 vezes Última modificação em Sexta, 15 Maio 2015 17:55

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