A emenda aprovada crua uma alternativa ao fator previdenciário, forma criada durante o governo Fernando Henrique Cardozo para compatibilizar a contribuição do segurado e o valor do benefício, com base em quatro elementos: alíquota de contribuição, idade do trabalhador, tempo de contribuição à Previdência Social e expectativa de sobrevida do segurado. O texto agora aprovado na Câmara dos Deputados permite que uma pessoa receba o valor integral da aposentadoria com base apenas na idade e no tempo de contribuição. Uma mulher poderpa aposentar quando a soma de sua idade aos 30 anos de contribuição for de 85 e, no cado se um homem, quando a soma da idade a 35 anos de contribuição alcançar 95. É a chamada regra 85/95. No caso dos professores, seriam exigidos dez anos a menos, tanto para a mulher quanto para o homem (75/85).
Por seu impacto nas contas públicas, alterações na fórmula de cálculo do valor da aposentadoria exigem cuidadosa análise e amplo debate, especialmente em razão do aumento da expectativa de vida da população. Facilitar a aposentadoria pode ser uma boa promessa eleitoral, mas requer prudência. No entanto, a Câmara dos Deputados escolheu o caminho oposto. Tendo de decidir sobre as medidas de ajuste fiscal contidas na MP 664, a Câmara aproveitou para incluir nela um apêndice de alto impacto nas contas públicas apenas para retaliar o governo e fazer alguma demagogia.
A manobra contou com o apoio não apenas do PDT, PC do B, PSB e parte do PMDB. Todos os deputados do PSDB foram favoráveis a emenda, bem como quase totalidade dos representantes do DEM. Tais deputados sabem bem – ou deveriam saber – quanto empenho político custou a aprovação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, da introdução do fator previdenciário, como meio de instalar um pouco de racionalidade na fórmula de cáculo das aposentadorias. Agora, como simples meio de atacar o governo de Dilma Rousseff, votaram a favor da emenda que dribla o fator previdenciário. Definitivamente, não precisavam disso em seus currículos.
Não há dúvida de que política é embate – e exige realismo. No entanto, esse aspecto de confronto, existente na política, não transforma nem deve transformar o Congresso num ringue. O decisivo não é quem ganha ou quem perde. O que realmente importa é defesa por parte de cada parlamentar das posições que considera mais beneficiárias ao País. Só assim o Congresso poderá exercer o seu papel institucional – representar pluralidade da sociedade brasileira.
Com independência das cores ideológicas, não há quem possa afirmar ser bom para o País alterar as regras do sistema previdenciário sem um aprofundado debate. O tema requer muito estudo e muita ponderação – afinal, está se tratando do dinheiro das contribuições previdenciárias de cada trabalhador e de seus benefícios futuros.
Não poucas vezes, criticou-se no Brasil o que parecia ser um desiquilíbrio entre os Três Poderes, com o Executivo ditando a pauta e as posições do Legislativo. No momento atual, em que o governo federal – por suas próprias mazelas – se enfraqueceu, surgiu uma oportunidade única para o Legislativo assumir o papel que lhe cabe, enfrentando com valentia as grandes questões públicas que desafiam a sociedade brasileira. No entanto, a Câmara dos Deputados aproveita essa chance para, sem qualquer pudor, optar pela política da irresponsabilidade. É assim que espera alcançar o respeito da população.